A precariedade da infraestrutura nos portos brasileiros voltou a colocar em risco a competitividade do café nacional no mercado internacional. Em outubro de 2025, os exportadores do setor enfrentaram um dos cenários mais críticos já registrados, com atrasos, mudanças de escala e falta de capacidade operacional comprometendo embarques, elevando custos e impedindo a entrada de bilhões de reais em receita cambial.

Um levantamento detalhado do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) revelou que somente naquele mês os associados acumularam R$ 8,719 milhões em prejuízos diretos, relacionados a custos extras de armazenagem, pré-stacking e detentions. Esses valores representam o impacto financeiro imediato da impossibilidade de exportar 2.065 contêineres, equivalentes a 681.590 sacas de 60 kg de café verde.

A consequência econômica do não embarque é ainda mais alarmante: o país deixou de receber US$ 278,08 milhões, cerca de R$ 1,497 bilhão, em receitas cambiais. Essa estimativa foi calculada com base no preço médio FOB do café exportado no período, de US$ 407,99 por saca, e na cotação média do dólar de R$ 5,3849 em outubro.

Segundo Eduardo Heron, diretor técnico do Cecafé, o problema não é novo, mas atingiu proporções insustentáveis. Ele afirma que o setor vem alertando há anos sobre os gargalos estruturais, especialmente no Porto de Santos, responsável pela maior parte dos embarques de café do país. “Estamos observando uma deterioração constante da capacidade operacional. Os atrasos na entrega de novas áreas de pátio e de berço do Tecon Santos 10 agravam ainda mais o quadro”, afirma Heron.

Embora o governo e operadores portuários tenham anunciado investimentos importantes — como o aprofundamento do calado para 16 metros, a construção de uma terceira pista de descida da Rodovia Anchieta e a implementação da segunda alça de acesso ao porto — Heron destaca que essas melhorias não serão sentidas no curto prazo. “São obras fundamentais, mas que levarão ao menos cinco anos para serem entregues”, completa.

Atrasos Se Generalizam e Paralisam Operações

O colapso logístico pode ser medido em números. Conforme o Boletim DTZ, elaborado pela ElloX Digital em parceria com o Cecafé, 52% dos navios que deveriam atracar nos principais portos brasileiros em outubro sofreram atrasos ou tiveram sua escala alterada. De um total de 393 embarcações previstas para o mês, 204 foram afetadas.

O Porto de Santos — maior porto da América Latina e responsável por 79% das exportações de café entre janeiro e outubro de 2025 — apresentou o pior desempenho. Sete em cada dez navios enfrentaram atraso ou mudança de escala, índice que corresponde a 148 das 203 embarcações destinadas à movimentação de contêineres.

O dado mais alarmante, no entanto, foi o tempo máximo de espera registrado: 61 dias. Dois meses de atraso na atracação representam um impacto direto na cadeia logística, com perdas para exportadores, transportadoras, terminais e navios que permanecem inoperantes.

O problema não se resume ao tempo de espera. O levantamento identificou que somente 3% dos procedimentos de embarque ultrapassaram quatro dias de gate aberto, tempo considerado mínimo para garantir previsibilidade e segurança na operação. Outros 48% tiveram entre três e quatro dias, e 49% receberam menos de dois dias de janela para embarque, o que reduz drasticamente a margem de ajuste operacional.

Rio de Janeiro Também Enfrenta Gargalos

Embora Santos concentre a maioria dos problemas, outros portos importantes também enfrentam dificuldades. O complexo portuário do Rio de Janeiro, segundo maior ponto de exportação do café brasileiro, responsável por 17,4% dos embarques no acumulado de 2025, registrou um índice de atrasos de 30% em outubro.

Dos 113 navios previstos, 34 tiveram suas escalas alteradas, e o maior intervalo registrado entre o primeiro e o último deadline chegou a 77 dias, ultrapassando o já crítico cenário observado em Santos.

Em relação à janela operacional, o Rio de Janeiro apresentou um comportamento parecido ao porto paulista. Em outubro, 22% dos embarques utilizaram mais de quatro dias de gate aberto, enquanto 48% se concentraram no intervalo de três a quatro dias e 30% tiveram menos de dois dias — quadro que demonstra a dificuldade de estabelecer um fluxo regular em um dos principais corredores logísticos do país.

Brasil Perde Competitividade e Reputação

Para o setor cafeeiro — que depende de pontualidade e previsibilidade para manter sua presença consolidada em mercados estratégicos da Europa, EUA e Ásia — os atrasos sucessivos representam não apenas custos adicionais, mas também risco reputacional.

Exportadores relatam que compradores estrangeiros começam a demonstrar preocupação com a confiabilidade da logística brasileira. O aumento do prazo entre a confirmação do pedido e o embarque efetivo cria incertezas que podem abrir espaço para concorrentes internacionais, especialmente em países que investem de forma contínua na modernização de suas estruturas portuárias.

Além disso, o cenário interno se torna ainda mais desafiador para as empresas que precisam lidar simultaneamente com custos extras, prazos imprevisíveis e a pressão por cumprir contratos internacionais sob pena de multas e perda de mercado.

Perspectivas: Melhorias Lentas e Pressão Constante

Embora o Brasil seja o maior produtor e exportador de café do mundo, seu principal ponto de escoamento opera no limite. As obras anunciadas — todas de longo prazo — são vistas como cruciais, mas insuficientes diante do crescimento da demanda e da necessidade de modernização urgente.

Especialistas do setor destacam que, sem uma política de infraestrutura portuária mais integrada e sem a aceleração de concessões e investimentos privados, episódios como o de outubro tendem a se repetir. Em um mercado global altamente competitivo, atrasos de 30, 40 ou 60 dias representam perdas milionárias e reduzem a capacidade de planejamento de toda a cadeia produtiva.

Enquanto as promessas não saem do papel, exportadores seguem acumulando prejuízos, e o Brasil perde recursos que poderiam fortalecer sua economia — evidenciando que a precariedade dos portos é hoje um dos maiores entraves logísticos do agronegócio nacional.