A cadeia produtiva do arroz no Rio Grande do Sul enfrenta mais um ponto de tensão em um ano já marcado por perdas econômicas e desafios estruturais. A Federação das Associações de Arrozeiros do Estado (Federarroz) divulgou um alerta contundente sobre os impactos da Nota Técnica 2025.001 v1.03 do Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais (MDF-e), que passou a valer no dia 6 de outubro e trouxe mudanças significativas na forma como o transporte rodoviário de cargas deve ser monitorado em todo o país.
Segundo a entidade, as novas regras — derivadas da Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, prevista na Lei nº 13.703/2018 — chegam em um momento crítico para a orizicultura gaúcha, que já trabalha sob forte pressão de custos e preços deprimidos. A atualização do sistema adiciona mecanismos automáticos de fiscalização, com cruzamento instantâneo de informações e possibilidade de autuações em casos de inconsistências entre o que é declarado e o que é movimentado.
Para os produtores, que já lidam com margens negativas e instabilidade climática, a mudança representa mais um fator de estrangulamento financeiro.
Atualização do MDF-e eleva custos e impõe novas exigências operacionaisO documento divulgado pela Federarroz detalha que as alterações no MDF-e obrigam cooperativas, fazendas, transportadoras e armazéns a revisar seus sistemas internos, atualizar fluxos operacionais e investir em capacitação das equipes, especialmente as responsáveis pelo preenchimento dos dados fiscais.
Em teoria, a atualização busca reforçar a transparência e o cumprimento das regras do piso mínimo de frete. Na prática, porém, o setor aponta que o processo demanda uma reorganização profunda do cotidiano logístico — desde o momento da emissão do documento até o embarque e a conferência nas estradas.
A entidade explica que muitos produtores e transportadores não dispõem de estrutura tecnológica para responder de imediato às novas exigências, o que aumenta o risco de erros e, por consequência, de penalidades. Uma inconsistência simples entre o valor informado e o contrato de transporte, por exemplo, pode interromper a viagem, gerar multas e comprometer toda a programação da colheita e da entrega.
Para um setor intensamente dependente de fluxo logístico — como é o caso do arroz, cuja produção exige escoamento rápido — qualquer interrupção representa prejuízo direto.
Produtores enfrentam safra com prejuízos e incertezasUm dos pontos mais críticos destacados pela Federarroz é o momento em que a mudança entra em vigor. A safra atual registra prejuízo médio entre R$ 20 e R$ 30 por saco comercializado, um valor significativo quando aplicado aos milhares de sacos produzidos por cada propriedade. Esses números colocam muitos produtores em situação de vulnerabilidade, especialmente os pequenos e médios, que têm menos capacidade de absorver aumentos de custos.
A entidade afirma que a combinação de preços baixos, aumento de despesas operacionais e maior rigor no controle do transporte aprofunda a já “severa crise que atravessa o setor orizícola gaúcho”. O Rio Grande do Sul responde por mais de 70% da produção nacional de arroz, desempenhando um papel fundamental na segurança alimentar do país. Assim, qualquer desequilíbrio estrutural na região tem reflexo direto sobre o abastecimento brasileiro e sobre o preço final pago pelos consumidores.
O alerta da Federarroz é categórico ao afirmar que, se a situação atual persistir, parte dos produtores poderá desistir da atividade, o que ampliaria o risco de desabastecimento e reduziria a autonomia do país em relação ao cereal.
Concorrência com arroz importado se intensificaOutro elemento que agrava o cenário é a concorrência com o arroz importado. Com o aumento das importações nos últimos anos, especialmente de países vizinhos, o produtor gaúcho enfrenta uma competição considerada desigual. Segundo a Federarroz, a nova tabela do piso mínimo não incide sobre o transporte internacional, o que coloca o arroz estrangeiro em vantagem logística e financeira.
Enquanto os produtores brasileiros arcam com o custo do frete interno atualizado e regulado, o arroz importado chega ao país sem estar submetido às mesmas regras, o que amplia a diferença de preço e prejudica ainda mais o mercado nacional.
A entidade classifica a situação como “mais um fator de desequilíbrio em uma economia já combalida” e enfatiza que a continuidade desse quadro poderá comprometer não apenas a renda do produtor gaúcho, mas também a saúde econômica de municípios inteiros que têm no arroz a principal fonte de receita.
Impactos logísticos e risco para a cadeia do arrozA atualização também foi recebida com preocupação por transportadores autônomos e empresas logísticas que atuam na cadeia do arroz. O cumprimento rígido da nova estrutura fiscal e a possibilidade de o sistema travar operações diante de divergências podem causar atrasos significativos, especialmente durante períodos críticos como a colheita.
Além disso, o setor ressalta que, em muitas regiões produtoras, o acesso à internet é limitado, dificultando o preenchimento e o envio imediato dos dados exigidos. Em momentos de grande movimentação, como no pico de safra, pequenos atrasos podem resultar na perda de cargas e aumento do desperdício.
Para a Federarroz, a falta de diálogo prévio sobre a implementação das mudanças contribuiu para ampliar a insegurança entre os produtores. A entidade defende que qualquer atualização com impacto direto na cadeia produtiva deveria ser acompanhada de maior planejamento, testes e orientação técnica adequada.
Federarroz anuncia que acionará a JustiçaEm sua nota, a entidade afirma que continuará monitorando os impactos da Nota Técnica e adotará “as medidas estratégicas necessárias à defesa dos interesses dos produtores rurais”. Entre essas medidas está a judicialização da questão.
A Federarroz argumenta que as novas regras aprofundam a concorrência desleal com o arroz importado e criam um ambiente hostil para o produtor nacional, justamente no momento em que a cultura mais precisa de políticas de incentivo, crédito acessível e suporte logístico.
A entidade também defende que o governo federal avalie alternativas que permitam ao setor adaptar-se gradualmente às exigências, sem comprometer o escoamento da produção e sem impor custos adicionais que agravem ainda mais a crise.
Crise no arroz exige atenção nacionalO caso do arroz gaúcho não é apenas uma questão regional. Como principal estado produtor, o Rio Grande do Sul tem influência direta sobre o abastecimento nacional e sobre os preços praticados no varejo. A continuidade do ciclo de perdas pode afetar desde o produtor rural até o consumidor final, além de pressionar programas de alimentação e compras públicas.
A Federarroz reforça a necessidade urgente de diálogo entre governo, entidades do setor e transportadores, para que sejam construídas alternativas viáveis e equilibradas.