Problemas logísticos, atrasos alfandegários e colheita tardia comprometem fluxo de exportações brasileiras e impactam cadeia de produção de carne chinesa
As importações de soja brasileira pela China despencaram em abril, atingindo o menor volume em uma década. De acordo com cálculos da Reuters com base em dados da Administração Geral de Alfândega da China, o país asiático importou apenas 6,08 milhões de toneladas métricas no mês passado, uma queda de 29,1% em relação ao mesmo período de 2024 e o menor volume desde 2015.
O recuo acentuado reflete uma série de problemas que interromperam o fluxo tradicional de exportações do Brasil para seu principal cliente: atrasos nos embarques, colheita tardia e gargalos logísticos, além de um desembaraço alfandegário mais demorado nos portos chineses.
Segundo analistas e traders, atualmente uma carga de soja leva entre 20 e 25 dias para ser transportada dos portos chineses até as fábricas de esmagamento, contra os 7 a 10 dias considerados normais. Esse aumento no tempo de transporte afetou significativamente a indústria chinesa de processamento de sementes oleaginosas, que enfrentou dificuldades no fornecimento de farelo de soja, insumo fundamental para o setor de produção de carnes.
“As operações de esmagamento foram afetadas”, afirmou uma fonte do setor, que preferiu não se identificar. No início de maio, diversas plantas localizadas no norte e nordeste da China precisaram reduzir a produção ou até mesmo paralisar as atividades, devido à escassez do grão.
Algumas fábricas de ração chegaram a ficar sem estoques e recorreram ao mercado spot, pagando mais caro para garantir o abastecimento. A falta de reconhecimento oficial dos atrasos por parte das autoridades chinesas ocorre em meio a uma tensa guerra comercial com os Estados Unidos, o segundo maior fornecedor de soja do país. A alfândega chinesa, questionada sobre o tema, não respondeu às solicitações enviadas por fax.
Os futuros do farelo de soja na bolsa de Dalian, importante referência no mercado chinês, registraram uma breve alta no final de abril diante da escassez de produto, mas voltaram a recuar nos primeiros dias de maio, com a expectativa de chegada de novas remessas do Brasil.
Queda acumulada no ano
Entre janeiro e abril de 2025, as importações de soja pela China somaram 23,1 milhões de toneladas, uma retração de 14,6% em relação ao mesmo período do ano anterior. A expectativa, porém, é que o cenário comece a se reverter nos próximos meses.
Segundo traders chineses, as importações devem crescer fortemente em maio e junho, com projeções que apontam para volumes mensais de até 11 milhões de toneladas. No entanto, a recuperação pode ser limitada. A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) divulgou uma estimativa preliminar indicando que o Brasil deverá exportar 12,6 milhões de toneladas de soja em maio, o que pode não ser suficiente para atender à demanda crescente da China.
Além dos entraves logísticos e das dificuldades na alfândega, outro fator contribui para o cenário atual: a redução das compras de soja dos Estados Unidos. Conforme dados do Departamento de Agricultura dos EUA, na semana encerrada em 1º de maio, não houve vendas líquidas de soja americana para a China para o ano comercial 2024/25.
A retração nas importações americanas é reflexo da tarifa retaliatória de 125% imposta por Pequim, que torna inviável economicamente a compra do grão norte-americano, a menos que haja um novo acordo comercial. Essa questão será tema central da próxima reunião entre autoridades dos EUA e da China na Suíça. O governo americano espera que o encontro resulte em avanços comerciais e possivelmente na redução da tarifa de 145% aplicada pelos Estados Unidos contra produtos chineses.
Perspectivas para o mercado de soja
O cenário atual revela uma grande volatilidade no comércio global de soja, influenciado por fatores climáticos, logísticos e geopolíticos. Embora o Brasil continue sendo o maior exportador mundial da oleaginosa, o atraso na colheita e os gargalos nos portos colocam em risco sua capacidade de atender à demanda crescente da China.
Ao mesmo tempo, o impasse comercial entre chineses e americanos restringe a diversificação de fornecedores, tornando a China ainda mais dependente das exportações brasileiras. Caso os problemas logísticos não sejam resolvidos e as tensões comerciais se intensifiquem, o mercado internacional pode sofrer novos choques de oferta e demanda, com impactos nos preços globais do grão e seus derivados.
Para o Brasil, o episódio serve de alerta sobre a importância de investir em infraestrutura e logística, além de manter previsibilidade nas janelas de colheita e embarque, visando fortalecer sua posição como fornecedor confiável no mercado mundial de grãos.