A lebre-europeia, conhecida popularmente como “lebrão”, está se tornando uma das maiores ameaças à agricultura brasileira. Com um ciclo reprodutivo acelerado, alta capacidade de adaptação e escassez de ações efetivas de controle, a espécie exótica já se espalha por diversos estados do país, provocando prejuízos econômicos alarmantes. De acordo com um relatório inédito da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), o Brasil registra perdas anuais de até R$ 15 bilhões com espécies invasoras, e o lebrão é apontado como um dos principais vilões desse cenário.

Originária da Europa, a espécie Lepus europaeus foi introduzida na América do Sul no século XIX e encontrou no Pampa uruguaio um ambiente ideal para se estabelecer. Hoje, sua presença já foi confirmada em estados como Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás e Bahia, com risco iminente de invasão da região Nordeste pela bacia do Rio São Francisco.

Reprodução acelerada e dispersão veloz

O lebrão possui uma impressionante taxa reprodutiva: são duas gestações por ano, com até nove filhotes por ninhada, o que permite que uma única fêmea gere até 18 filhotes por ano. Além disso, a espécie é capaz de se dispersar até 45 quilômetros por ano, tornando o controle ainda mais desafiador. Seus hábitos noturnos e velocidade de fuga, que pode chegar a 60 km/h, dificultam a captura com métodos convencionais, como armadilhas ou cercas.

Em diversas regiões, produtores já contabilizam prejuízos diretos. Em Meleiro (SC), por exemplo, o agricultor Marlon Schuvartz teve 800 dos seus 2.400 pés de maracujá destruídos pela espécie. Tentativas com cercas elétricas, luzes automáticas e repelentes naturais se mostraram ineficazes. “Em poucos dias, o lebrão se adaptava e voltava”, relata Schuvartz.

Falta de políticas públicas agrava cenário

Apesar da gravidade do problema, o Brasil ainda não conta com uma política nacional consolidada para conter espécies exóticas invasoras. O estudo da BPBES aponta que as ações de controle ocorrem de forma pulverizada e sem coordenação entre os entes federativos, o que compromete a eficácia das medidas.

Para o engenheiro agrônomo Rafael Salerno, presidente da associação Aqui Tem Javali, a falta de ação das autoridades é preocupante. “Por omissão dos órgãos ambientais, o lebrão se espalha livremente, enquanto o controle é burocratizado e restringido por normas ultrapassadas”, critica. Segundo ele, o Brasil deveria adotar a caça regulamentada, medida que já é praticada em diversos países para o controle populacional de espécies invasoras.

“Não é preciso reinventar a roda. A caça é a única saída para conter esse avanço”, defende Salerno.

Produtores pedem ação imediata

O vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Santa Catarina (FETAESC), Luiz Sartor, também critica a ausência de soluções eficazes. Segundo ele, as medidas utilizadas atualmente pelos produtores apenas amenizam temporariamente os danos. “Faltam políticas públicas e instrumentos legais claros para lidar com o problema do lebrão”, afirma.

Enquanto isso, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) não se posicionou oficialmente sobre o tema, apesar dos insistentes pedidos de entrevista.

Além disso, o relatório da BPBES chama a atenção para a contradição nas políticas ambientais brasileiras, que ainda incentivam o uso de outras espécies exóticas sabidamente invasoras, como a tilápia e o pínus, agravando ainda mais a situação.

Impactos do lebrão no agro brasileiro:
  • Prejuízos anuais estimados com espécies invasoras: R$ 15 bilhões
  • Estados afetados: SC, PR, RS, SP, MG, MS, GO, BA
  • Velocidade de dispersão: até 45 km/ano
  • Velocidade máxima: até 60 km/h
  • Reprodução: até 18 filhotes por ano por fêmea
  • Técnicas de controle convencionais: ineficazes
  • Medidas sugeridas: caça regulamentada, revisão da legislação ambiental, criação de política nacional de controle

Uma ameaça à segurança alimentar

A proliferação do lebrão não representa apenas um risco econômico para o agronegócio, mas também uma ameaça direta à segurança alimentar do país. Com lavouras inteiras sendo destruídas, pequenos e médios produtores enfrentam prejuízos que comprometem suas rendas e a oferta de alimentos no mercado.

Especialistas e representantes do setor agropecuário alertam que a adoção de políticas públicas claras, baseadas em evidências científicas e experiências internacionais, é urgente. Caso contrário, o avanço do lebrão pode se tornar irreversível, com impactos duradouros sobre o meio ambiente, a economia e o abastecimento alimentar.